terça-feira, 25 de novembro de 2008

E se você estivesse aqui

Isis, minha amiga do coração.


Hoje mesmo eu estaria, se aí estivesse, a atirar pedras n'água e ver os círculos concêntricos se abrindo pela força centrífuga que a pedra suscita. Como um náufrago que encontra a garrafa e bebe a carta que nela habita.
E a cada pedrinha, uma nova ondina rodopiando na minha cabeça, chacoalhando tudo para por tudo no lugar, só para desarrumar depois; infinitamente. Se aí estivesse sentiria o mesmo que você sente.
Se tivesse aí, agora, a ver o laguinho que a cachoeira produz, estaria como você, amor; estaria como o homem seminu que morreu na cruz: completamente dentro de mim e todo exterior.

Lelê Teles, Brasília

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

mi payasita

minha linda palhacinha


















Jackie

Domingo, dominus dei. Antes de começar a leitura de Padre Antônio Vieira abro o imêio. Há um somente, e é da Jackie. "Para Alfredo, com carinho". Abro, uma foto linda. O ambiente é iluminado por luzes que vêm de velas acesas, aprumadas por belíssimos castiçais. A luz realça e contorna o escuro, magnífico artifício. Seguramente é a mesma luz que utilizava Caravaggio, Rembrandt e Velásquez. 
O cenário é rústico e belo: uma poltrona aveludada e de cor fulva, uma ave empalada e igualmente aterciopelada, uns tecidos finos e translúcidos sobre o resto da mobília que compunha a ampla sala onde a foto fora feita. 
Em destaque: uma mulher, imagem feita por cima dos ombros, ela levemente inclinada para tocar os pés, as costas nuas, as pernas nuas. De frente e agachada, uma outra mulher de feições exóticas. A mulher que está sentada é Jackie, conozco sus espaldas, a mulher que a defronta está com um cântaro na mão, enquanto que a outra mão está delicadamente segurando um dos pés de Jackie. 
Os pés estão besuntados, pela forma com que Jackie se curva para frente parece que ela vai repreender a moça do cântaro. Fico firmemente absorto, a foto me suga, mas não consigo compreender o que quer dizer. Em seguida vem outra foto. 
Agora nota-se uma alcova, um pálio com sedas transparentes, tapetes forrando o chão, dois homens seminus de pé. Sentada, à cabeceira da cama, está Jackie. Veste o que seria uma camisola, mas o ombro que se mostra está desnudo. A tomada é lateral e vemos a moça de frente para o espelho, nota-se a dupla imagem, ela se contempla simplesmente. 
A cena é linda, fico nela por alguns minutos. Os lábios estão entreabertos, os cílios despencam, o seio se mostra meigo. O lugar parece um cenário feito só pra estas fotos, nunca vi nada em nenhum lugar parecido a isso, em nenhures, ou nusquam, como se diz em latim. 
Mas ainda havia uma terceira foto, uma escada enorme e um pouco espiralada. Embaixo da escada, ao pé, estava Jackie, esperando alguém. Acima, ainda com a iluminação das velas que tremiam nos castiçais, apenas um vulto indistinguível; na escada subiam mulheres nuas de um lado e desciam homens nus do outro.
No final de tudo um textinho curto: Adorável Alfredo, feliz por você ter matado a charada do outro imêiu com tamanha argúcia, em anexo tô mandando uma foto exclusiva pelo seu merecimento. Quer mais? Então vamos a isto: Jefferson, o iníquo, nos remonta a Protágoras; Lula, ao chamar pra si o discurso ético compreende Protágoras em Jefferson e se faz medir medindo-se. Jacó. Beijos. Eternamente, Jackie.
 

Que jactância, a foto era muito mais do que o que eu merecia por um simples jogo de charadas. De costas, deitada, nua, com o corpo cheio de óleo aromático (imagino), um pote pequeno com óleo ao lado. Ela sobre a esteira. Entrava uma luz clara e amarelada pela janela, as cortinas adejavam lentas. Ela estava de bruços, com a perna esquerda esticada e a direita levemente curvada, como que fazendo um P com as pernas. No pescoço, ela está de cabelos curtíssimos, há uma tatuagem em hebraico escrito "e o verbo se fez carne". A foto foi feita a partir dos pés, a vista era deslumbrante. 
Fiquei boquiaberto, as mãos pediam cigarro, acendi. Coloquei a foto como protetor de tela e fui digerir o que tudo aquilo queria dizer. Se ficasse olhando a beleza das fotografias iria sempre viajar para os antípodas da mente, como diria Huxley. Peguei um livro de Antônio Vieira e fui pra rede descansar. 
Jefferson, Lula, Protágoras, Jacó. Uma escada, uma moça com um cântaro, velas e castiçais, nada mais. Vou montar, quero mais destas lindas fotografias. Espalhei as palavras do meu puzzle pelo chão imaginário e fui montando com a mente, peça por peça. O que tem Jefferson, Protágoras, Lula e Jacó a ver um com o outro? Encontrei o elo entre Protágoras e as bravatas de Jefferson, uma parte tá pronta. Lula compreende Jefferson, pronta a outra parte. Que diabos Jacó faz aqui? 
As fotos, as imagens devem ter algo a ver com isso. A moça do cântaro nada tem a ver com Jacó, montei todo tipo de combinação e nada. Mesmo porque, assim, sem sobrenome, este Jacó só pode ser o personagem bíblico. Puta madre, claro, o cântaro nos remete a Pedro (Domine, tu mihi lavas pedes). Jesus lavando os pés dos discípulos. Pedro, como sempre, hesitante (tu mihi, vós a mim?). Por isso Jackie parece repreender a moça que lhe vai lavar os pés, era uma dica a que texto consultar. Então, lembrei-me de um Sermão de Padre Antônio Vieira onde ele fala da encarnação de Deus, todo confuso o texto, talvez o mais confuso de Vieira. Mas há ali a imagem da escada, Jacó vê uma escada que vem do céu e anjos subindo e descendo, ele percebe que não pode subir e observa que Deus não desce, então ele se dá conta da tamanha distância entre Deus e o Homem e ratifica a imagem dos anjos como seres intermediários e intermediadores. É disso que se trata, vamos à frente. 
 

Jefferson é um gatuno de primeiro time. Um "sócio" seu foi pego nos Correios com a boca na butija. A casa caiu. Percebendo-se no pior dos mundos, Jefferson lembrou-se da ópera, e percebeu que tudo começa com um crescendo até ter um ápice, as pessoas estão prontas pra essa fórmula, por que não tentar? Então dedurou todo mundo, jogou merda no ventilador e misturou fatos reais com invenções absurdas, como a de duas malas enormes pra levar 4 milhões de reais, esta quantia cabe em duas valises. 
Então montou um esquema, denunciou uma operação de roubo escandalosamente gigante, acusou todo mundo e livrou somente Lula da Silva. O povo, que deveria atirar pedras em Jefferson já o via como um injustiçado querendo fazer justiça, já não saía de casa pra não ter que dar autógrafo; de vilão a mocinho em um ato. O mais absurdo é que no Roda Viva Jefferson se mostra corrupto, mas diz que em seu conceito não o é, disse que não é corrupto mas afirmou que a política corrompe e que ele já está na política há mais de 20 anos, e repete o que todo mundo sabe, Lula é um caro ético e justo, com isso agrega à sua imagem este homem ético e justo, um truque. 
Aí está Protágoras, "o homem é a medida de todas as coisas". No tempo de Protágoras o homem não significava a humanidade, mas sim o indivíduo. Jefferson mede tudo a partir de si mesmo, e a partir dele tudo é mensurável, inclusive a ética, e era disso exatamente que falava Protágoras. No mesmo programa em que Jefferson disse que as pessoas poderiam acreditar nele porque ele falava a verdade, disse que defendeu Collor de 103 acusações e Collor se livrou de todas. Se temos que acreditar em Jefferson então devemos crer que Collor é inocente! 
A outra parte diz "Lula, ao chamar pra si o discurso ético compreende Protágoras em Jefferson e se faz medir medindo-se". Bom, aqui fica claro que Lula compreendeu a aproximação conceitual de Bob Jefferson e saiu-se em defesa de si mesmo.
 

Agora vejo a leitura que Jackie fez do pronunciamento do presidente remontando a uma metáfora bíblica: In principio erat Verbum, Verbum caro factum est e em seguida: Et habitavit in nobis. O verbo se fez carne e habitou em nós, porque não disse habitou entre nós, perguntava Antônio Vieira no Sermão do Mandato. Se a ética era algo que estava entre Lula e os seus, então o presidente teria que ter um partido inteiramente ético e andar com pessoas inteiramente éticas. Se Deus está entre nós ele não pode estar em todo lugar, mas se ele está em nós ele está por toda parte ("Enquanto encarnado, se estava Cristo em uma cidade, não estava noutra: enquanto sacramentado, não só está em todas as cidades, senão em tantas partes da mesma cidade em quantas hoje o temos", Vieira). 
Lula disse que a moral ele aprendeu com os pais e passava para os filhos, não seria um mandato passageiro que determinaria se ele era ou não ético. Assim, Lula trouxe pra si o discurso protagórico e chutou Jefferson, "eu meço a ética e a moral porque ela parte de mim, é um princípio meu. Jefferson é um canalha que se agrega aos outros para agregar valor a si mesmo". No velho testamento diz Davi: Abyssus abyssum invocat, um abismo chama outro abismo. E estão os dois à beira do precipício, Jefferson não tem tanta bala na agulha, os gestos são repetitivos, a oratória é cansativa, a voz não é muito boa, outro dia voltava da dentista e passei debaixo do prédio onde ele mora e ouvi o que chamam de um homem cantando óperas; sinceramente, francamente!
 

Assim, por meio da escada de Jacó vemos que Lula não desce até o patamar de Jefferson, e este não subirá jamais ao trono onde se senta o ex-operário. Os mensaleiros são os querubins e serafins do nosso presidencialismo cínico, dependente de apátridas que sobem e descem a todo instante e servem a dois senhores. Matei mais uma charada. Quando será que Jackie volta ao Brasil?

todo en la vida es sueño

A magestosa e caríssima Ponte JK. "Uns querem transformá-la em cartão-postal; outros, em inquérito policial" (GOG).
Se chamava Washington. Aliás, chamavam-no Washington, ou melhor o seu nome era Washington, mas todos chamavam-no Uoshto. Creio que ele próprio não sabia a grafia de seu nome; nasceu assim, meio torto, claudicante, de viés. Sonhava como todo menino, dormindo e acordado, sonhava mais acordado que dormindo. O seu sono não era tranqüilo, tinha sempre um rá tá tá tá, um tiroteio noturno, vizinhos se esbofeteando de madrugada, cachorros dando carreira em desocupados, os cachaceiros que cantavam ao longe.
Mas mesmo assim ele sonhava...
...no sonho ele flutuava; pétala que se desprega e vai descrevendo um poema no ar. A gota de orvalho cintila náufraga a anunciar o silêncio sombrio das fragatas a singrar. Uoxto sonhava com sabores inauditos, texturas nunca dantes experimentadas, sonhava também com o olfato. De facto criava um mundo inefável na fantasia onírica.
Mas o sonho não é reminiscência, não é lembrança da vida em vigília? Oshto, como não tinha tempo pra teorizar - nem método - ia assim, sem querer, desafiando as teorias que pretendem dar conta do material singular que permite ao homem uma dose de torpor e encantamento. Sempre lhe vinha o que ele nunca via, como um fomentador de desejos. Os sonhos criavam nele desejos e os satisfaziam, como faz a publicidade; não, não, a publicidade apenas fomenta desejos, o dinheiro é que os sacia. Já sonhou em línguas que ele nunca ouviu, parlamentando com autos signatários, articulando bem e descrevendo sintagmas dentro de uma estrutura ignota.
A mãe o acorda aos berros: "Óxto, acorda doido, vai procurar alguma coisa pra cumê que tua irmã morre de fome enquanto tu fica aí, como fi de adevogado, de boca aberta".
Toda manhã era assim, sacolejado pela mãe, levantava vôo em direção à cidade em busca do que fazer, na ânsia do que comer. Morava debaixo da ponte JK, também conhecida como terceira ponte, que liga a cidade de Brasília ao bairro do Lago Sul, que tem o IDH igual ao da Noruega. Ali, debaixo da ponte, uma favelinha ia vivendo com a vizinhança abjeta que descarregava neles todos os dejetos diários. Além do alarido do tráfego trêfego. Todas as manhãs Oshto despertava ao som das embarcações: lanchas, iates, kite surf, esquifes, caiaques etc. Brasília é a terceira cidade brasileira em número de embarcações náuticas!
Óshto celebrava aquele playground aquático onde ele jamais estaria fisicamente, mas já sonhou com um mar azul e flutuante, ele nadava em bolhas d’água no refluxo matinal de nove luas em planeta ignoto. Dançava ao som das nuvens em deslocamentos.
Se espreguiçava ao despertar, como faziam os cães e os gatos; mimeticamente. O Lago Paranoá, esta maravilha artificial que margeia toda a cidade, tem as águas verde-musgo em alguns pontos onde a balneabilidade é proibida, justamente no ponto onde a mãe de Uóshto, e outros renegados, estendeu a lona negra que é o seu abrigo. Fétida casa, úmida e sombreada pelo umbral da ponte.
Nunca tinha o que comer amanhecendo, ritualisticamente ele punha as mãos em concha e bebia um trago das águas verdes da parte poluída do lago. Cria que o verde era devido ao alto teor nutritivo da água. Conselho da mãe: "Tome uma caneca dessa água todas as manhã, aí tem vitamina, meu filho. Isto é merda de ministro, de deputado, médico e adevogado. Esse verde aí é muita rúcula, alface, brócolis, aspargos, toda a sorte de verdura e leguminosa que possa existir. Nunca se viu uma água tão nutritiva como esta".
De facto Uoshto tinha uma barriga gorda, efeito da água, não se sabe se benéfico ou maléfico. Certo dia, um garotinho de quinze anos tomou muito whisky e cheirou cocaína a noite toda, pegou a lancha do pai e foi dar cavalos-de-pau na água. Desgovernou-se e entrou facilmente na casa de lona preta.
Washington tinha visto a festa da posse do presidente pela manhã e passou o dia inteiro ocupado com isso, o presidente havia sido gente como ele, quiçá tomou água nutrida como ele, por isso suportou. Nesta noite Washington sonhava que presidia uma cidade repleta de pirâmides, era assim como o rei Pacal, dos Maias. Amante das artes e das nobres edificações...
A lancha esmagou mãe, filho e filha. Em algum lugar está Washington em sonho, talvez embalado pela mística de Pacal em piramidais digressões estelares. Porque todo en la vida es sueño.




Lelê Teles

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

seus olhos garços

a belíssima paula lagrotta, je suis enchanté...

Tem uma coisa magnética nos seus olhos garços que não cabem nos meus versos, porque imantam tudo ao seu redor, como um buraco negro que se alimenta de universo; tem uma flor imarcescível que desabrocha quando você abaixa o seu olhar tímido, uma lâmina lânguida que dá vontade de lambê-la; uma lírica líquida.


Tem uma coisa aí que tenho medo de saber o que é realmente, temo decifrá-los e eles me devorarem.


Dá pra sentir o cheiro fragrante dos seus olhos como a gota de um suor que escorre dos lacrimais... tem uma coisa nesses olhos que é demais!


Lelê Teles, Brasília



sexta-feira, 14 de novembro de 2008

cidadãos do mundo

Ainda na legenda: Pierre Weil, Lelê Teles, Caretinha, Gilmar, Geovane, Tarsila, Marck Sacco, Pajman, Gustavo, Moranguinho, 3 Estrelinhas, Jonisval, Andréia, Vanessa, Sergie, André, Dr. Fahad...
Turma formada por jovens anarquistas e religiosos ligados á fé Baha'i, à Rosa Cruz, Brama Kumaris etc. Esse era o nosso sonho de mudar o mundo, por meio da paz!