sexta-feira, 15 de maio de 2009

in natura

da natureza do natureba
Há muito a natureza não é um espaço idílico onde o homem se lança em busca de paz interior, energização espiritual, meditação poética etc. A natureza para nós tem uma utilidade e não é vista como natureza, in natura, é vista fragmentada e reificada, uma porção de cada coisa. A terra não é mais um organismo vivo que depende de todas as suas partes para funcionar de acordo. É uma máquina! Podemos improvisar, fazer ajustes, retirar, subtrair; depois reajustar, recauchutar, retificar... Assim pensam os néscios, assim caminha a humanidade!

Porém, mesmo os que amam a natureza, os que a vivenciam, "viva a natureza", a reificam, ou pior, antropomorfizam o seu semblante. Estou pensando isso tudo de frente para uma churrascaria gaúcha, onde vou encontrar um amigo que ainda não chegou. Passa uma garota dos tempos de colégio: saião, sandalhinha, muitas bugigangas nos braços, pescoço, cabelo. Os óculos tão ok, o bronzeado, idem. Me reconheceu. Oi, tudo bem, quanto tempo e blá, blá, blá. Sentou-se. Esperando alguém, perguntou. É, tô esperando um cara que sempre atrasa, e tô morrendo de fome, fica aí e come com a gente. Ela tergiversou, que não comia carne, que era contra a matança de animais, que era um prazer necrófilo, que aquilo era um cadáver, que abrir churrascaria deveria ser crime etc. Eu quase perdi o apetite, e a amiga, pois a moça estava muy nerviosa. Sentou-se acendeu um incenso pra afastar o fedor de carne podre, como ela dizia.

Eu, sinceramente, não sabia se deixava a moça ir embora ou se dava-lhe uns catiripapos, se a aconselhava a ser mais sociável e menos xiita, ou... Me diz uma coisa Dandara, você não acha ridículo essa história de natureba-chic? Sua visão é religiosa, política, filosófica, quê que te impulsiona a pensar estas asneiras? E ela exaltada, excitadíssima: eu não faço essa divisão das dimensões políticas, filosóficas e religiosas, eu sou um animal político, luto pela conscientização de fariseus como você, para que vivamos em um mundo melhor.

Taí uma frase de efeito, eu falei com desdém. É.. eu penso assim, Dandara, por uma razão geopolítica e econômica é saudável que comamos carne e gostemos dela, somos os maiores importadores desta proteína no mundo. Por uma razão filosófica é sabido que a vida se alimenta da vida. Por questões religiosas creio que você não deixará de ir pro inferno, afinal você come repolho, alface, acelga, rúcula... e o que tem uma coisa a ver com a outra, perguntou-me. Ora, minha jovem Dandara, aos olhos de Deus não há diferença entre uma couve e um carneiro. E ela: ãh!? Dandara, uma planta é um ser vivo, tanto quanto uma vaca. Ela nasce, se reproduz e morre. Tudo bem que você possa achar uma covardia uma pessoa criar um pintinho, alimentá-lo e quando for galinha matá-la e comê-la, mas com a couve ocorre o mesmo, você planta, rega, aduba, e quando está no ponto você corta a garganta e faz uma salada.

E ela com os olhões esbugalhados, pensando. Ser contra o churrasco por ser contra a matança de animais e tão ridículo quanto a cena de um gaúcho churrasqueiro chegar aqui e dizer que não come salada porque é contra a matança de vegetais! Mais um golpe forte nas convicções naturebas da moça, desta vez um Jab de direita, ela cambaleava. E tem mais, Dandara, enquanto falamos matamos milhares de vidas que circulam ao nosso redor, ou pra você só é vida se você puder vê-la a olho nu?

Dandara virou-se de lado e ficou girando o incenso no ar. Tá bom, Olavo, tudo bem. Você já foi numa granja e viu como vivem e morrem os frangos? Já viu um matadouro, sabe a covardia que fazem com as vacas? Dandara, por que eu haveria de ir ver estas atrocidades? Você come peixe, né, Dandara? Claro, como Cristo e seus discípulos, que eram todos vegetarianos... Agora deu vontade de esbofeteá-la, me contive. Dandara, um peixe morre de agonia. Agoniza como nós no fundo das águas. O peixe é arrancado vivo da água e se debate até morrer, estressado e afogado no ar. Enquanto falava eu avançava pra cima dela com dentes enormes, ela corcoviava, se saía. Meu amigo chegou, com uma menina de saião e pulseirinha. Eu falei logo, vai comer carne? E ela: não, vou comer vocês dois. Dandara saiu mancando, claudicante e triste; nós entramos na churrascaria com muito alvoroço. Baby Beef, por favor.


Lelê Teles, Brasília.

chove em Brasília

depois de mais de 140 dias pude tomar um delicioso banho de chuva.

A chuva me lava, me eleva, me livra, me louva e me luva!

o quereres

HÁ DIAS QUE TE QUERO
ADIAS QUE ME QUERES!
Lelê Teles, Brasília

eu, você e a chuva


chove um pouco lá fora.


subi ao andar de cima para apreciar o céu chorar de alegria, ver as árvores se arvorarem e sacudirem as cabeleiras ao vento amigo. A água desliza mansamente pelo asfalto negro, tamborila na janela, goteja nas vidraças, enlanguece. Tudo flui para o todo, águas refluem. A Catedral se banha, Palácios se lavam, ministérios se elevam. Há um pouco de magia em tudo, na chuva, no sol quente, nos dias amenos... Ao menos penso eu assim! E de tanto ver e tanto pensar veio-me você nos pensamentos. Ave de plumas leves. Luvas de pelica love. Livre.


então eu era o vento e a chuva. E como o vento eu ventava. Teus cabelos dançavam a dança frenética das ninfas. Pêlos eriçam friorentos, se esgarçam. Eu, vento, cercando-a num abraço morno. Primeiro por cima, alado. Depois em volta, galante, e ainda por baixo, vento safado a levantar saia, subir por tornozelos, beijando batatas de perna, acariciando coxas salientes, mordendo-a. Ainda vento, silvo um sonido que te adentra mornamente aos ouvidos ("deixe que minha mão errante adentre, atrás, na frente, em cima, em baixo; entre").


depois eu era chuva. Molhando transparecia tudo o que segredas e pouco ocultas. Seios, pernas, bunda, barriga e braços. Tudo sentido num abraço, um abraço molhado, um abraço de chuva. Em gota, escorria em deleite nos lábios teus, beijando-lhe a boca e sendo sorvido. Dos cabelos escorria até a nuca, e ciciava um sussurro molhado e morno. Ainda em deslize percorria as voltas de teu pescoço adentrando a blusa entre os seios. Riacho que percorre montanhas.


numa melodia sem som, mas vibrante. Ao percorrer a curva montanhosa dos seios, deslizo em gota única em teu ventre, riacho saindo de montanhas e libertando-se em planície fértil. Pausa para uma volta no umbigo teu, águas que empoçam meigas. Escorria para dentro e para fora, como uma língua d'água. Sentia o eriçar dos pêlos dourados que a adornam. Arrepio!


depois, ainda no curso torrencial de riacho; saio da planície dourada do teu corpo e deslizo ainda mais, a beijar virilhas. Ahhhh, que jactância!


percorro, então, tua floresta negra, águas que se espalham. Boca d’água. Até cair nos lábios macios das margens do rio teu; molhadas. Meu riacho encontra o teu rio e se fundem, numa pororoca férvida, num gozo caliente e tântrico e, juntos, deslizamos até o mar, que é maior que nós dois.


Lelê Teles, Brasília

nihil

lena


É verdade que os poetas não acreditam em nada, perguntou-me um senhor, apagando um verso escrito no muro da paróquia. Se me perguntas se poetas em nada crêem, digo em verdade: Os niilistas é que acreditam em nada; niilidades! Poetas não creditam em nada. Mas acreditar, acreditam. Poetas acreditam na sedução das palavras, na redenção dos apócrifos, na solução dos apóstolos, na sedição das malvadas.

Se crêem em Deus? Sim, crêem ao seu modo. Talvez um deus em letra minúscula seja mais crível, um deus sem chibatas, sem chicotes. Acreditam no amor e na paixão.

Sabem que aos povos da América Latina um deus foi-lhes empurrado goela abaixo e vêem, como um poema, a ressurreição das religiões pré-colombianas, como se esses povos, agora, vomitassem esse deus, antes que a Igreja fizesse de cada novo fiel um foie gras, se é que o senhor entende a língua dos poetas!

E também crêem nos profetas, que são os poetas místicos! Se em nada acreditassem, os poetas, ao invés de escrever apagavam!

Lelê Teles, Brasília.