sábado, 29 de dezembro de 2007

Feliz 2008

Quando a luz é amena o corpo dela flauta, as coisas flutuam...


Há os que não crêem em Deus. Estes se crêem certos. Há os deístas, estes estão cegos, e há os que se fazem surdos, estes se dizem céticos. Diga o que quiserem, desde que continuem fazendo Deus existir, porque aquele que O mata dentro de si, mata também a sua imaginação, o seu desejo de sonhar para dentro, de imergir, de transcender... Quando acordo pela manhã, ao abrir os olhos, a primeira coisa que vejo é Deus. Um centésimo de segundo antes de dormir, antes de cerrar os olhos, é Deus a última luz que me invade. Já dormindo, Deus é a minha iluminada escuridão.

Quem não tem Deus tem o quê? O verso, o verbo, o vernáculo? E isso é o quê? Deus, além de transcendente é imanente. Ter Deus já nasce consigo, como nas aranhas os tentáculos. Minha filha, que não é boba e tem somente 3 anos e meio, acha plausível a possibilidade de Deus e o vê com bons olhos. É muito sofisticado uma criança não questionar onde está este Deus que todo mundo fala e ninguém o vê....


Desculpe, caríssimo. Eu não queria falar de Deus, mas de uma Deusa...


Me parece que com a morte de Benazir Bhutto, Bin Laden derruba a terceira torre estadunidense. Quem tem olhos pra ver que veja. No mês passado fui ao festival internacional de bonecos, lindo espetáculo. Me faz pensar na morte de Benazir Bhutto. Dá mesmo para imaginar que o sentimento, a voz, os movimentos... que tudo isso venha de dentro do títere, mas a manopla branca está sempre ali, manipulando...


Então, mas eu queria falar de uma Deusa...

Dom Cappio fez o seu teatro, Sabatella o fez com naturalidade, naturalmente. A Igreja voltou, descaradamente, a interferir na vida política dos países, em quase todo o mundo. Dão ordem em políticos, interferem em assuntos médicos, científicos, tecnológicos... Querem ser a voz única dos rios, dos embriões, até mesmo das céluas, das céluas-tronco! E sempre usando o teatro. A tragédia da Paixão de Cristo tem todos os elementos do teatro grego, da tragédia grega... Quem tem ouvido para ouvir que ouça. Lembro-me que numa escola francesa, em França, uma menina foi proibida de entrar usando o véu, porque ele seria uma apologia à religião que a infante cultua. Como se as francesinhas não se vestissem como cristãs. Até o discurso de desvestir o véu já é desvelar essa hipocrisia...


Como eu ia dizendo, eu tenho uma amiga...


Ah, ia me esquecendo do holocausto! O maior genocídio da história da humanidade. O número é exato, seis milhões de judeus! Eu gostaria de lembrar que o tráfico negreiro matou 75 milhões de homens pretos. Antes dos europeus assassinos quase exterminarem a população indígena no continente, havia aproximadamente 100 milhões de índios na América. Só no território que viria a ser o Brasil, esse número chegava 5 milhões de nativos. Mas neste mundo cão, filha, só faz propaganda quem tem dinheiro!


Jura que em 2008 você não vai mais acreditar que o holocausto foi o maior genocídio da história da humanidade? E que os pretos africanos e os indígenas sul americanos só não estão nos cinemas em meio à explosões de automóveis, tiros, gelo-seco, e merchandising por falta de grana. E não estão nos livros escolares por falta de interesse.



Minha amiga se chama Olívia. Ela é linda. Feliz 2008 pra ela. E pra você também.


Lelê Teles


quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

aniversário de Marla, feliz idades

Marla e Bel, duas lindas criaturas

Tem muita gente desocupada de muito por fazer e outras entretidas em não fazeres. E tu cheia de deliciosas querências, de majestosos quereres. Quando ainda haviam Guapuruvús em nossas manhãs, ouviam-se os gerândios mudos que en-cantam em suas amórficas edificações de palavras. Os versos que tu semeias, a pá-lavra! Porque Imhotep, no Egito, e Pacal, na América Central, ergueram as mais majestosas e retumbantes cidades para as mais majestosas civilizações; tudo feito na pedra, de pedra. Mas tu ergues um continente cheio de águas somente usando a palavra como matéria prima. A matéria etérea. E forja uma nova e majestosa incivilização. Sempre você sorri, mas nem sempre você só ri. É feito de rios o teu sorriso, de margens, de matas ciliares, de cílios e de ares. O teu sorriso também é repleto de lágrimas, como são a felicidade dos poetas e a alegria dos profetas. E eu sou cheio de ti, de ti sou pleno. Tenho saudade das manhãs manhosas em que tínhamos Guapuruvús!





Sorria sempre; como o sol que gargalha lágrimas em chamas, chamuscando toda a nossa miríade de interrogações cósmicas, as nossas divagações estelares. Galileu ouviu o universo gargalhar. Se tiver que chorar, não se reprima, chore muito e transbordante, como um mar revolto a ressaquear nas pedras duras e frias, britando a sua milenar indiferença. Na hora de amar, grite. E se tiver que chingar: esparre, espirre, esporre e espurre!





Lelê Teles, Brasília

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

o arrebol dos subúrbios



O sol se escondia por trás da descor de poeira suja que emoldurava o infinito. O gorjear ficava mais calmo nas ermas paragens. As frondes sacolejavam lentas e sonolentas, a abanar insetos, como cavalo crina a cauda. Cachorro - que é bicho preguiçoso -, escorava no umbral de uma árvore e desarvorava a vida alheia de inveja canina e ferina angústia. Se chovesse teria lama, mas é seco e o ar desventa, poeira sobe sob tudo e sobre troncos. Uma estrela pontilha luz no firmamento; afirmam que se chama Dalva, não me meto a nomear estrelas, um astro não se nomeia assim como se desnomeia ministros, o astro é luz e luz em si já é palavra. No fim era o desverbo.



No descampado, mininos seminus desbrincam com bola de meia, noutro canto mininos de grude deslindam bolas de gude. No bar, os cachaceiros cantam goelas quentes e canas frias. Canelas finas desfilam por toda a paisagem. Esquálida gente emagrece o horizonte. As pipas se soltam sozinhas, gritos de gente chamam gente a gritar. Na varanda, um morcego avoa e aranha ri. Papagaio imita gente e pronuncia águas. Cavalos também habitam, ratos são animais domésticos, tem nome e apelido. Muriçoca vira brinco e baratas voam céu adentro. Nas frechas, fendas, frincas e brechas mulher nua se banha de vento e a gente se ventila a curiar. Há desejo em tudo o que tá vivo, vontade só há no que não morreu, esperança é palavra que não se cala; mininas vão sozinhas de mãos dadas.



Na ruazinha, um poste se enche de luz e escurece as sombras. As antenas estão antenadas no mundo lá fora, umas são improviso e escultura, outras são fabricadas e desfeiam tudo. Quem não olha pro chão pisa em bosta. Quem olha de mais vê o que não quer. Besouro tem olho de anu e voa sem que ciência nenhuma o explique. Dizem que a física do besouro é que está errada, como se besouro inventasse física. Besouro nem faz ginástica.



A rã rima com raiva e relva ri-se de rotina réstia. Retinas retêm rotos remoeres. Dizem que em céu cobra não avoa; vovô descorda, vovô foi cobra e hoje é cabra avoador. Quem tem dente que diga, como se faz pra morder o vento quando ele passa assoviando de viés? Diz que flauta, disso não sei. Qualquer paisagem acolhe gente triste, os sorrisos enfeiam a paisagem, paisagens não têm dentes, paisagens se abrem banguelas por mundos inteiros. Queria ter a paciência das lesmas e andar devagar a foder as pedras, como dizia Manoel de Barros. Lânguidas e gosmentas criaturas desfilam nas pedras virgens. Borboleta azul roça asas no aflato da tarde. O arrebol, que posterioriza o lusco-fusco, grada cores e aquarela tudo. É fim de tarde.




Lelê Teles, Brasília


quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

carta sem remetente


Foto: Paulo César

Gotas de som compõem uma canção de chuva. Veja meu amor, que as coisas não precisavam ser tão tristes. Mas meu coração aperta até quando danço. Porque você me garantiu que longe era um lugar que não existia e agora aqui tudo é espera e fome.Tudo é sede de alguma voz e de palavras de encontro.É que esse silêncio denso não me explica distâncias... ou talvez seja ele que nos afaste ao ponto de nem haver mais eco.



Sabe meu amor, ontem eu lembrei de você quando a previsão era de tempestades e as temperaturas ainda estavam tão altas.O ar pesado e o calor ofensivo. E havia um poema oco e insônia e falta de abraço.


(Minha poesia anda miserável e minhas cartas sem remetentes).


E quando pensei que pudesse começar a me divertir, todos foram embora da festa: eu fiquei sozinha olhando a desordem.


Sabe meu amor, sobrou apenas o meu copo vazio, taças quebradas e restos que não se aproveita mais. E depois, essas gotas de chuva que pretendem compor nenhuma canção.


Meu amor, se longe é um lugar que não existe como você me explica essa distância?

*


Texto de Marla de Queiroz:
http://www.doidademarluquices.blogspot.com/



Marla é a minha poeta favorita, ela tem estilo, substância, conteúdo, coerência, coesão e precisão. Amo os seus versos e `as vezes eles me cutucam forte o coração, como agora. Tá pra nascer uma poeta que me emocione mais do que ELA.

sábado, 8 de dezembro de 2007

gorete



Tuuuuuuuummm! Bateu!


Se você morresse hoje, o que você deixaria? Pergunta-me Gorete, que acaba de chegar e se deita conosco na grama, sob um pé de limão, a atirar cascas. Eu, pensaroso, olhar em vento e névoa nuvem, a divagar, respondo ainda longe: Deixaria este sol morrente, a lua nascente e este vento frio e morno que nos arrefece agora. Deixaria tu e ele, esta casa, estas folhas, aquelas galinhas lépidas. Deixaria o córrego que corre ali, deixaria, enfim, tudo o que não posso levar. E de ti, o que deixarias? Gorete tentando revolver-me. Tudo isso de que te falei agora, Gorete! Mas tudo isso fica, mesmo que você não morra. O sol, o céu, aquele barquinho de papel... E tu, e de ti?- Gorete você só enumerou substantivos. Eu disse sol morrente, lua nascente e vento morno. Eu os fiz assim, eu os quis assim, e neste instante eles são minhas criaturas e eu as deixo pra ti.


Gorete segue uma pomba com os olhos. As asas se esfregando no vento. A pluma se solta, flutua e pousa. A aranha ri. A rua corre para o rio e o Rio emite luz, reflete bondes, refrea gáveas, refrata cristos e corcovados. O vulto volta e vira vulva; a vara vela, a vida evola, a voz vacila... Gorete chora.


Chorando por quê, Gorete? Você gosta de mim, Fabão? Gorete, eu te adoro. Mas, só se adora a Deus, Fábio. Deus está em todas as coisas, meu anjo. Eu adoro o Deus que vejo em ti. Teu sorriso, tua nuca, tuas tranças, tuas axilas, a curva fofa da tua orelha... Vou te contar uma história, Fábio. Vai contando, Gorete... Antes me responde. Quando você pensa no céu, em galáxias, planetas... Você pensa em vida? Você vê vida?



Gorete, já sonhou com alguém que já está morto? Humm, Já. E este alguém tava vivo no sonho?- Huuummm... Tava!- Toda vez que alguém sonhar com um ente que morreu, no sonho este vai estar vivo. Acenando, nadando num pedaço de poço, voando contigo num espaço vazio. Mas vivo. Não se sonha com mortos. Sonha-se com quem morreu, mas no sonho ele vive. Só se pode projetar vida. Só se conjectura vida. Os deístas olham para cima e vêem Deus; outros buscam energias que propagam vida; outros, ainda, buscam sinais. Carl Sagan via inteligências, porque este era seu mundo interior; cérebros, mentes, inteligências. Eu vejo sóis, estrelas, planetas, galáxias, quasares. É assim que eles se mostram a mim e é assim que vejo a eles. Não os penso; pensá-los é não querer vê-los, é querer prevê-los, antevê-los. Olhando a lua, o luar, eu vejo a luz fria que emana dela, sua forma redonda. Se ela influi nas marés, me revolve e balouça o mar que tem dentro de mim. Se eu pensasse a lua ela ainda faria isto e eu nada poderia fazer, a não ser saber. Mas eu sinto-a! Ou só a sentirei se sabê-la? Aquela estrela? Está morta, diz o físico. Morreu quando? Morreu onde? Eu a vejo e não sou médium. Ela se mostra a mim. O cientista a vê por trás, por onde ela não se nos mostra. Daqui, de onde a vejo, ela continua ali, luzindo, sorrindo luzes para mim. Pensar é procurar pela morte, sentir é estar com a vida.



Gorete mirava o céu de luzes baças. Campos ermos, nuvens altas, os sons. Posso cantar uma musiquinha? Que musiquinha, Gorete?E ela baixinho: Um canto que aprendi na igreja, uma música de Deus. Toda música é de Deus, Gorete. Mas se quer cantar uma música, cante, se quer cantar uma música de Deus, deixe que Ele mesmo cante. Você conseguiria ouvir se fosse Deus cantando? Não está ouvindo, Gorete? O farfalhar das folhas, o tilintar dos galhos, o pipilar das gotas, o chuá das chuvas, o frufru do vento em teu vestido, o pulsar do teu coração, o trovejar?...




Lelê Teles, Brasília

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

oh, my dog!

toma, seu rato imundo!



Ontem eu assistia ao depoimento de Bob Jefferson pela TV Câmara. Toca o celular, atendo. Voz de mulher. Pergunta: e aí, o que achou da fala de Bob? Teatralizada, eu disse, na verdade uma ópera bufa. Tenho uma visão diferente, amanhã te mandarei um imêiu, tchau. Fixo ainda na tela, vidrado pelas palavras, provocações e insinuações de Bob Jefferson, nem perguntei quem era que falava comigo ao telefone. Ainda estava incucado com a idéia de Serra, FHC, e toda a malta do tucanato ter desaparecido durante este tempo. FHC comprou votos para a sua reeleição, deveria estar tremendo em casa, temendo que Bob abrisse a boca e dissesse o que todo mundo sabe! Na Câmara Federal o mensalão era de 30 mil lascas -segundo o desvairado Jefferson -, mas em Rondônia, segundo apuração da polícia e cobertura da imprensa, onde foi flagrado um governador tucano em prática idêntica, os deputados cobravam 50 mil lascas! Por que os mercenários de Rondônia são mais caros que os de aqui, como se eles fossem a Guarda Suíça?


Abro o imêio no dia seguinte e recebo uma mensagem com o título: Bob redimiu os políticos. Assinado Jackie. 

Pensei na voz que falou-me ao telefone, quem seria Jackie. Então lembrei-me de uma moça que morava no prédio defronte ao meu. Tinha olhos negros, cabelos igualmente negros e lisos, uma pele morena, lábios convidativos e corpo de sereia sem cauda. Criava um gato, cultivava plantas, fazia ginástica no quarto, andava nua pela casa e tinha um marido. 


Um dia conversamos muito, ela lia Padre Antônio Vieira, de quem sou fã. Na presença dela eu só pensava em teologia e nas coxas grossas e salientes que ela exibia. Ela adorava charadas, sempre fazia charada pra me provocar, querendo saber até onde eu lia Vieira e se realmente o entendia. Uma noite, em minha casa, tomando vinho, ela me fez várias charadas com os textos mais complicados do Padre Antônio, cada vez que eu acertava, ela tirava uma peça de roupa. E ficou somente nisso. 


Depois ela se mudou e nunca mais nos vimos. Três anos depois a encontro num curso de sexo tântrico. Na mesma turma que eu, aprendemos juntos, e nunca mais a esqueci. Então era Jackie que me escrevia, só podia ser, e era uma charada.


Penso nos textos de Antônio Vieira, lembro de Jackie. Onde estaria o elo? Então me lembrei que ela já havia me mandado um imêio no dia da posse do Lula, disse que estava morando na Índia e sentia saudades de mim e do Brasil. Fora isso dizia apenas: "Meu querido Alfredo, bons tempos estes nossos, temos um presidente do povo e isto é justo e louvável. Não espere que já no terceiro dia ele caminhe pelas águas do Lago Paranoá, multiplicando peixes, curando enfermos e distribuindo pães, mas ele traz consigo um pouco desta metáfora, haverá um dia em que os larápios se sentirão pequenos e alheios na companhia dele, e a sua bondade e a sua probidade serão suficientes para desencadear uma onda de renovação na vida política brasileira; então, o povo passará a saber separar o joio do trigo". 


Fiquei intrigado, era tudo e ela nunca mais falou-me nem respondeu aos meus imêios. Minha mente volta à Ópera Bufa de Jefferson. Ele achincalhou todos, enquadrou amigos, emporcalhou o nome da casa em que trabalha há mais de vinte anos, não poupou os inimigos, desencanou as Organizações Globo e incriminou-se a si mesmo. Parecia uma seção de exorcismo. Mas era uma Ópera Bufa! 


Não apresentou uma única prova e ficou claro que fez tudo pra incriminar os que têm rabo preso e salvar o próprio mandato. Acusando as velhas raposas do PP e do PL, queria preservar-se a si mesmo. Ele é um experiente advogado criminalista, é claro que não fez tudo à louca, mas fez uma grande loucura. Mas o que há de bom na fala demoníaca de Bob? Primeiro ele mostrou para toda a sociedade que este tipo de presidencialismo que temos é o pior dos regimes, porque os presidentes para poderem governar têm que contar com o patriotismo, a boa vontade e a responsabilidade com a nação de todos os membros do Congresso, caso contrário o presidente ficaria como a Rainha da Inglaterra, aquela que reina, mas não governa. 


Só que o nosso Congresso é formado, em sua grande maioria, por empresários, advogados, e um monte de novos ricos que querem enriquecer ainda mais em detrimento do país. Querem que eles sejam patriotas, então pague. Assim funciona a política neste país. Foi assim de Sarney à FHC, e não tinha como ser diferente com Lula. 


Então, Jefferson mostra que há uma gangue apátrida dentro do Congresso e que pende para qualquer lado, ou melhor, pende sempre pro lado que assina o cheque. Todos os que foram acusados por Jefferson, mesmo sem provas, são de fato culpados. Delúbio e Dirceu estão na mesma barca. Aí, lembrei-me de uma pergunta que sempre me fiz, por que Lula que nunca aceitou a idéia estúpida do comunismo se juntou a estes comunas tresloucados? E como fazer pra se livrar deles?


Ato contínuo, lembrei-me de que Bob Jefferson falara de Lula com imenso pesar, falava emocionado de quando lhe deu o aviso do mensalão e o presidente recebeu como uma facada nas costas, e disse mais, disse que Itamar Franco, Collor e Sarney, e aí fez uma pausa pra falar do príncipe sociólogo, disse que esses ex-presidentes não conheciam a realidade do país, nunca viram a fome e nem a pobreza, e que eram anestesiados e insensíveis. 

Depois disse, emocionado, que Lula nasceu pobre, conviveu com a pobreza, e sem roubar ou matar construiu a própria história e, não satisfeito, se aventurou em resgatar operários e depois se arvorou pela redenção dos pobres de todo o país. Em suma, uma ópera. E a Jackie? Neste momento me veio o texto de Antônio Vieira, como uma revelação: "Quis Deus salvar o gênero humano naquele dia fatal em que deu a vida por ele; e de que ministros se serviu sua Providência? Caso estupendo! Serviu-se de Judas, de Anás, de Caifás, de Pilatos e de Herodes; e por meio da injustiça e impiedade dos homens tão abomináveis, se conseguiu a salvação de todos os predestinados. (...) e se me dizeis que foram injustos os ministros convosco, também vo-lo concedo, posto que o não creio. Mas que importa que neste conselho fosse Judas, ou naquele Anases e Caifases, ou noutro Herodes e Pilatos, se por meio da sua injustiça tinha Deus predestinado a vossa salvação? eles irão ao inferno pela injustiça que vos fizeram, e vós por ocasião da mesma injustiça ireis ao Céu!" ....... É isso. Essa é a charada!


Neste Sermão de Padre Antônio Vieira, precisamente no Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma, estava todo o resumo da ópera. Por meio do iníquo Jefferson, Lula se livrará de Dirceu, o PT se livrará de Delúbio, a sociedade se livrará dos ladrões da direita! Bispos serão defenestrados ou não mais voltarão à casa. Os que receberam as verbas indevidas serão massacrados pela sociedade, a reforma política surgirá como um imperativo e a nossa forma de representação presidencialista será repensada. Ou seja, por meio dos ladrões sempiternos nos livraremos deles mesmos, e por meio de apátridas escrotos finalmente entraremos numa democracia representativa de fato. Salve Bob!


Será que Jackie se despirá ao saber que eu matei mais essa charada? A Índia é longe, os índios estão perto de desaparecer e o Bob é Jefferson; saravá.
Lelê Teles, Brasília

terça-feira, 20 de novembro de 2007

`as leoninas Giulita, Bi e gabi

Gabi, uma fofura

"Leonina, agarra-me com tuas garras, jujuba-se em minha juba, abraça-te nos meus braços. No reino animal tua coroa está posta; urra, grita, explode e ecoa na floresta todo o teu felino-fogo-fêmeo.Faz de mim um gato babão de língua de fora a lamber-te o leite em deleite idílico.Foge comigo dos bichos todos, sejamos unos na tropical relva escura, amamenta-me, acalenta-me, me vicia.Sussura, cicia, e faz de tua cauda o estandar-te de minha adoração, a bandeira de minha danação.Sejamos os novos filhos do paraíso, animais, animados, a morder eternamente o fruto proibido.Rola comigo na grama verde, voa comigo nos céus em flor. " Lelê Teles, Brasília

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

um nome me vão



berçário estelar na constelação de Órion


Eu também sou tomado por estes formigamentos, por estas sensações de insônias, por estes arrebatamentos oníricos. Estar mudo no mundo não muda nada. Por isso, formiga em mim certas inquietações, o querer saber o sabor das palavras de Deus, se ditas. Sonhar não digo, porque Deus não dorme! Pensamentos insones viram um eterno divagar, bem devagarzinho. O maior verbete do Houaiss é o diabo. Nome com inúmeros sinônimos: aquele, o garoto, o rapaz, o sete peles etc. Deus tem um nome só, sem sinônimos. Isso mostra que o povo não tem coragem de dizer o nome do diabo em vão. Deus, não. Deus é um chiclete que tá na boca de todo mundo, quando acaba o açúcar, cospe-se fora.


Lelê Teles, Brasília

sara gaia, será?

afagar a terra, carícias no corpo de gaia

Será que a Sara sabe que santo de casa não faz milagre? Ah, disso ela sabe. Ela tem o nome da matriarca judia, esposa de Abraão: o útero da nossa civilização. Sonhar com a Sara sempre faz bem. A gente fica perdido com os encantos que ela tem. Ela tem o sobrenome da Mãe Terra, a moldura de Goya na alma de Gaia. Ela é uma santa de alma impura, cheia de candura, um demônio de saia. Não acredita em Deus, mas acredita no amor. É como descrer que esse é o caminho de quem venera a dor. Quando ela sorri eu ouço a felicidade do vento. Ela é o que há de mais lindo debaixo do firmamento.




Lelê Teles, Brasília.

livre, leve e lívida

Lena Teles Mitidieri, linda




a luz da lua

NARJARA
Em ti sinto toda a riqueza do norte. A silhueta sinuosa dos rios, a candura das águas, a brandura das aves e o coração forte. A nudez selvagem da rua, a tua civilizada beleza de mulher nua. Uma ilha ignota que esconde uma princesa, cheia de lânguidas línguas, lépidas mãos, lassas presas. O gosto suculento do fruto exótico, da boca lírica, do corpo erótico. Um raio de luz, uma cruz em que me prego em esplendor, repleto de alegria, ávido de fervor, cheio de magia, grávido de amor. Dos braços da cruz para os abraços teus. Como um homem nu se tornando um Deus!

Lelê Teles, Brasília






Minha amiga, Momoko, estava cada vez mais pesada. Enamorou-se de um jovem bonito e forte; sorriso branco, cabelo curto e jogado pra trás; usava gravatas, mesmo durante dias de sol, advogava como um rábula, não lia, bebia sempre, fumava e cheirava muita cocaína; usava perfumes caros, carros caros, mulheres caras. 
Momoko se resguardava para um homem elegante e que a compreendesse. Encontrou o tal Raul. 
Ele abria a porta do carro, puxava cadeira, mandava flores; tinha bons hábitos. Momoko era dentista, era apaixonada por sorrisos construídos; tinha tara pela dentição maquiada, pelo brancor artifical dos dentes, pelo sorriso de fotografia, que é mais uma careta que um sorriso. Mesmo de boca fechada, ela estava a imaginar a arcada de um homem, a mordedura etc. 
Momoko era uma menina recatada, dormia cedo, no máximo às onze, por isso nunca saía à noite com Raul, mas nunca o impedia de sair; confiava nele, nos hábitos dele, no caráter dele, em seu amor. No máximo saíam pra jantar, Raul a deixava em casa e ia encontrar os amigos. Momoko tinha uma silhueta delgada, fina - não mantida à cocaína, como a silhueta das tops internacionais -, mas por bons hábitos alimentares e por uma feliz combinação genética. 
O casamento durou dois anos. Raul passou a inventar posições sexuais cada vez menos confortáveis para Momoko e cada vez mais bizarras. Chegava de madrugada, suando álcool, e vinha com uma sede alucinada pra cima dela. Dava fortes tapas em seu rosto, a chamava de nomes estranhos, de outros nomes, de nomes de outras mulheres; pedia para ela dizer que era sua puta, que era cachorra, que era vadia etc. Momoko temia desgostá-lo e seguia caninamente as orientações do amado tresloucado. Até que um dia resolveu dar um basta e parar com tudo. Ele a chamou de frígida, que ela não era mulher para ele, que ele não sentia tesão por ela, por isso tinha que chamá-la pelo nome das garotas que ele ficava à noite. Sobretudo prostitutas. Momoko ficou horrorizada. Depois ele abriu o imêio e mostrou fotos dele com mulheres no motel, outras com homens e mulheres e uma em que ele chupava um homem enquanto outro o enrabava por trás. 
Depois da separação, Momoko não saía mais de casa. Passou a ter nojo de homem. Só, infeliz, comeu muito e engordou como uma porca. Escreveu centenas de cartas para si mesma. Com uma imensa vontade de morrer. Não suportava o peso do mundo, e nem o seu próprio. Numa noite de lua cheia, ela subiu na sacada (décimo primeiro andar), vestiu um lindo vestido que nem lhe entrava mais e saltou num mergulho lívido para o infinito. 
Que maneira estranha de se livrar do peso do mundo, pensei. Aí, lembrei-me de Paul Valéry: “é preciso ser leve como o pássaro e não como a pluma”! Lembrei-me também de Ítalo Calvino. Pensei nas brancas e alvas formas inventadas por Cruz e Sousa, um subterfúgio, usar o branco para mostrar o negro. Imaginei que Laila tinha vontade de voar, e não de cair como um machado sem cabo dentro do mar. O desejo de voar é antigo, e a certeza de se conseguir também. Cyrano de Bergerac, quando quis ir à lua, besuntou-se com tutano de boi para ser atraído, de outra vez quis ser alçado por gotas evaporantes de orvalho. Os iogues, longe do peso do mundo, levitam. Cristo, que parecia proferir um paradoxo quando disse “o meu jugo é leve”, também jogava com o desejo de voar, e, ao ressuscitar, pairou no ar para ser visto por Madalena, como um beija-flor divinizado. Elias, no Velho Testamento, sobe aos céus conduzido por uma carruagem de fogo. O carro é pesado, mas o fogo que o consome o alça em fumo e vapores de fumaça; bela alegoria. No tempo em que as mulheres eram subjugadas por tudo e por todos, algumas se livravam deste peso voando em vassouras. Os avatares e cavalos do candomblé, pretas gordas geralmente, pairam numa outra dimensão, enquanto leves espíritos povoam seus corpos, aliviando a vida dos que aqui se encontram. Os hindus traziam seus deuses em carros, veículos que desafiavam o próprio peso e pairavam no ar... 
Seguramente Momoko voou para a imensidão. No momento em que seu corpo físico tocou o chão, seu espírito rasgou o solo e mergulhou numa viagem deliciosamente leve e lívida. Mordia raízes, molhava-se em freáticos lençóis d’água, nadava na terra, transpunha crostas, engolia fogo, infinitava-se, infinitesimalmente. Leve como o pássaro que flutua no pélago espacial, determinando o próprio destino e fazendo o próprio caminho, e não como a pluma que flutua ao sabor do vento, sem saber.
 
Lelê Teles

`as pequenas alice, betina, luanda e luna

Aos pais-amigos, preocupados com o choro de suas pequenas

A PEQUENA Luna, ANTES DE SER UM EMBRIÃO, VOOU NUM JACTO JACTANTE PARA O ÚTERO DA MÃE. APÓS, NADOU NUA NO MAR UTERINO. FOI PEIXE E FOI AVE. HOJE TEM A APARÊNCIA DE ÁRVORE. NA VERDADE ELA NÃO CHORA, ELA BALANÇA OS GALHOS, SACODE A FRONDE, ESGARÇA OS MÚSCULOS INTERNOS. 80% DO CHORO DO BEBÊ É GINÁSTICA. SEI DISSO POR OBSERVAR A MINHA GIULITA QUANDO SEMENTE. MAS UM DIA, INEVITAVELMENTE, ELA VESTIRÁ UM PAR DE ASAS E NADARÁ NUA NA LUZ DA LUA.






Lelê Teles, Brasília

ah, marla

Marla, doida de marluquices: foto guilherme machado




Ontem sonhei com um cadáver que vivia contente com os famintos que não comem bucetas. Como se isso fosse coisa que se comesse. Comé que é coser num novelo de águas, no fundo delas, tecendo um vestido de sereias? Agrupando partículas, escamando moléculas... E no fundo do vale, vida. Flores, fragrâncias, flátulos faunos... Mais ao fundo, uma fada transpondo a fenda; majestosa como um fiorde, como uma falésia que represa brisas. O barco emborca quilha ao céu, no fenômeno que reconstrói ecossistemas.

Tenho um poema de Marla nas mãos. Eles me olham léxicos. Me cumplicificam. Ontem, enquanto sonhava, vi a tatuagem que tenho na alma: era um destes mesmos poemas de Marla, que lexicam e cumplicificam. E nisso de ter uma imagem do poema, destas de que tratam a gestalt, me sinto menos ágrafo, menos astênico, úmido de húmus, como se escorresse em mim a lama que desesteriliza.

Ah, como é bom aMar-la.


--
Lelê Teles, Brasília

o amanhecer na calçada


Ela tinha uma canga

tinha frio, cigarros e desejos

Eu tinha sono

frio, isqueiro e um beijo



E assim,

ficamos a noite inteira:

Acesos!

Lelê Teles, Brasília

sexy `a Prill

Priscila


HÍBRIDA DE EVA E LILITH

o quereres

HÁ DIAS QUE TE QUERO
ADIAS QUE ME QUERES!
Lelê Teles, Brasília