Ana Male, quer tudo na mão
Ela se chama Ana Male, nome de ariz pornô. Ela detesta que lhe lembrem disso, toda hora eu digo isso pra ela. Não só o nome dela é um palíndromo, ela é toda palindrômica. Tem várias conversas atravessadas, você não sabe se está indo ou se está voltando. Outro dia, no trânsito, ela reclamava do excesso de motoboys e da imprudência deles. Você detesta eles né, Ana; perguntei. Ela começou a falar sem parar, disse que eles eram mal educados, mal instruídos, selvagens e que a maioria deles nem tinha habilitação. Sabe como é, quando uma mulher começa a falar sem parar e acende o cigarro, que ainda nem terminou, no outro é melhor ficar calado. Esse é o início da histeria. Deixei Ana falar. Tudo o que ela dizia era puro preconceito. Eu aumentei o som, tocava um delicioso hardcore do Rattus, da Finlândia. Chegamos à casa de Ana Male, 10:11 da noite.
Ana Male acabara de iniciar um curso de dança do ventre, embora fosse uma estadunidense apaixonada por hardcore feito na escandinávia, como eu. Eu tava louco para vê-la dançar. Colocamos alguma coisa no narguilé e ficamos baforando. Ela voltou da cozinha e disse que ia pedir uma pizza, perguntou se eu preferia pizza ou comida chinesa. Eu disse que não queria nada que fosse entregue por um motoboy estressado. Ela ficou parada sob o umbral da porta, me olhando. Como ela ficou muito desajeitada, começou a sorrir e fez que não era com ela. Depois insistiu: Cara, tem uma pizzaria aqui que faz a melhor pizza da cidade e sabe qual é o melhor? Se eles não chegarem aqui em trinta minutos após o pedido a gente não precisa pagar! Ligou e pediu a pizza, nem lembro o sabor.
Nossa, Ana, você é sádica hein? Você está sorrindo dessa bobagem que acabou de me falar? Ela ficou muda. Senta aqui, Ana. Ela sentou e baforou o skunk. Ana, em São Paulo morrem 2 motoboys por dia; em Goânia, um a cada 36 horas... e fui listando; quando não morrem, esses caras são vítimas de ocorrências no trânsito, que normalmente acarretam problemas como hemorragias internas, ossos quebrados e, em alguns casos, perda de membros como braços ou pernas. Eles correm, Ana, não porque sejam loucos e mal educados, eles correm porque pessoas como você têm pressa!
Ela se levantou. Eu continuei: Ana, nenhuma pizzaria vai te dar uma pizza de graça... A daqui da quadra dá, cara, como eu te falei. Ana, a pizza não sai de graça. Se o motoboy não chegar em 30 minutos na sua casa, onde você está confortavelmente sentada e fumando skunk, quem paga a pizza é ele.
Ela me olhou com dois olhos enormes. O motoboy, Ana, tem que vir muito rápido pra entregar sua pizza a tempo. Ele tem três alternativas: ou entrega a sua pizza em 30 minutos, ou paga com o salário dele ou com a vida! Para isso ele fura sinal, corre pela calçada onde caminham os velhinhos e as crianças, corta os canteiros, não respeita a faixa de pedestre... Não é o motoboy que cria uma situação de caos no trânsito, Ana, é você!
Ela ficou imóvel por alguns segundos. Depois pegou o telefone, ligou e cancelou a pizza. Pegou as chaves, me pegou pela mão e descemos o elevador sem falar nada um com o outro. Ela dirigiu até a pizzaria, foi ao caixa e pediu a pizza. Enquanto esperava ela foi conversar com um motoboy que aguardava do lado de fora, pronto pra fazer entrega. Demorou um pouco, fazia perguntas e meneava a cabeça afirmativamente. Depois ela veio, me deu um beijo na boca, me olhou nos olhos e me agradeceu, envergonhada. Pegamos a pizza, compramos um vinho e nunca mais falamos nisso!
Lelê Teles, Brasília.
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