segunda-feira, 27 de setembro de 2010

estado de graça

japinhas


Em casa tudo se casa.

Na sala, uma lua branca e nua entrava pela janela, como uma borboleta que passa suave pelos jardins com o seu voo de ave.


Do quarto, ouvia-se o murmúrio infantil da chuva fresca, com aquele friozinho gostoso que penetra as frestas.

Do lado de fora, a noite madrugava lírica e inocente. E a mais adulta das inocências madrugava dentro da gente.

Como a lua e a chuva nas janelas eu entrava nela, com a pureza das aves, das borboletas, das chuvas e das luas, e com a adulta inocência das noites que madrugam.

A gente se deitava sobre o outro no sofá e ela tava tão linda com o corpo banhado de lua. Seus cabelos sorriam, seus olhos gozavam, sua boca beijava cada palavra que proferia (seus seios duros em taças) e seu rosto era a beleza em estado puro, em estado de graça!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Gérmen de trigo



Japinhas


Dormi a gosto, acordei Setembro. Na primeira manhã do mês da primavera, ela se espreguiçou na cama como uma flor que desabrocha. O pólen que perfuma o seu corpo-pétala lufava no espaço tênue do quarto. Ela me deu uma abraço cheio de beijos.

- Bom dia, flor!
- Bom dia, amor!

Ela sorriu com os olhos. Eu gargalhei com o coração. Fui à varanda e trouxe um cravo que tirei do vaso e o coloquei atrás de sua orelha. Ela meneou a cabeça com os olhinhos infantis e puros.


Molhou os lábios e me beijou com ternura. Lá fora, farfalhava as árvores ensolaradas de sabiás. Um nesga de sol se imiscuía no quarto, se esfregando na fresta da janela. O mar chuava ao pé da varanda.


Ela se levantou, escovou os dentes, escovou os cabelos, escavou as gavetas e encontrou uma carta que ela escrevera na noite anterior. As letras bem torneadas, desenhadas esculturalmente, como ela, diziam: "quando chegar Setembro quero fazer-me flor e borboleta. Quero-te abelhoso, casuloso, invólucro e envolvente. Quero-te amável e aderente. Quero-te árvore, quero-me semente. E queiramo-nos assim, pra sempre".


Ela fechou a carta e abriu um sorriso amigo. Eu abri os braços e lhe fechei um abraço abrigo. E sentamos pro café da manhã, polinizados de gérmen de trigo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

lenabah

BBB: busto, buço e boca

quando sonhei dormi com lena e ela era um livro tatuado de significâncias, onde cada significante resignificava-se, continuamente. o livro onírico e perfumado que eu lia noite adentro, o livro-ela, abria-se em minha cama como uma dama que se esparrama quente. tudo o que lia nela, tesava.


cada página do livro-ela era uma pétala de roupa. deliciava-me a molhar as pontas dos dedos e desfolhá-la, pagina por página, peça por peça: a página brincos, a página vestida de vestido que eu despia, a página mínima da calcinha, a alcinha que ocultava o busto, a página pêra.


as tatuagens que vinham pelo caminho ainda não eram letras, eram signos imagéticos de cores rubras e quentes que ilustravam. As tatuagens letras ficavam na parte interna da página, porque esse é o único livro que tem a parte interna da página, que fica entre as duas faces da folha, à flor da pele. com olhar atento era possível ler a sua alma. as letras soletram sonhos.


começo lendo-a pela orelha do livro-ela. a ponta molhada da língua sussurra quentinho cada letra tatuada na orelha-livro, prefaciando. depois, mansamente, a morder as cores corpo do pescoço que meneia em brasa. aí, recitar, boca pra boca, língua pra língua, a estrofe beijo, poemando. a cada página uma surpresa, a cada linha lida uma linda descrição do corpo dela, e narrador e leitor se misturam fagocitósicos, os corpos em brilhos como brilham os corpos celestes, estelares.


eu tinha desejo de carne, ela desejava verdura. vegetariano, ia mordendo tudo o que nela frutivicava: a batata da perna, as maçãs do rosto, as mangas da blusa, aquela fruta hídrica que cresce na árvore que fica entre suas pernas... eu tinha desejo de carne, ela desejava verdura.



à medida que a noite avança, o quarto escura, a luz se tênua, e eu aproximo mais ainda o livro para lê-lo de perto. encosto o meu nariz no nariz do livro-ela, ofegamos juntos. a boca anseia beijo. vermelha, entreaberta e molhada. quando a língua entra ela fica hídrica. a leitura, no abrir de páginas, no abrir de pernas, no abrir de coxas, mescla poema erótico, conto profano, romance sórdido, diário de putas. as vírgulas das virilhas, a concha úmida em reticências e o ponto final do umbigo exclamam.


depois de lê-la intenso, eu viro a página. e fica tudo ainda mais lírico. as costas pacíficas e a cintura atlântica, a bunda índica. Um oceano inteiro de letras vivas a decifrar-se. E como se lendo um livro de trás pra frente, começamos tudo de novo: molhar orelha, morder pescoço, deslizar. Antes de dormir, soprar a vela e fechar o livro-ela, com os dedos ainda presos nas páginas-pétalas, a sussurrar.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

a professora




Entrou na minha sala exalando nínfico perfume
fechou a porta atrás de si e deixou-se penetrar
as mãos macias, a voz macia, uma safadeza tão elegante no caminhar
contava-me que ministrava idiomas e contabilidades
tributos, números, álgebras... tinha mesmo uma certa certeza no olhar

trocamos duas palavras enquanto ouvia o que seu corpo dizia
quero ter aulas de língua com você
em que língua devemos começar?
comecemos pela sua

e pela minha


Lelê Teles, Brasília

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

animal doméstico

as cobras são surdas
as baratas são cegas
as girafas são afônicas.
pinguim não é peixe
morcego não é ave
e o homem é um animal doméstico.

aflora a fauna


Se há selva
a seiva salva
o vento verga
formigas saúvam
sálvias ervam
os símios silvam
a fauna aflora.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

na janela

Dali, muchacha en la ventana


perfumou-se toda.

ajeitou o busto, as sombrancelhas e foi para a janela.

ao longe o por do sol olhava pra ela: triistes!

as virgens

que venham as virgens em cardumes.


como as piranhas.

uma santa




passávamos o dia inteiro no fundo da sacristia,

tomando vinho e comendo hóstia.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

sobre plantas carnívoras e mulheres vegetarianas




Olívia vivia sozinha em seu apartamento.
Era vegetariana e mantinha em um vaso uma planta carnívora.
Elas achavam graça uma da outra.



Lelê Teles, Brasília

sobre os pets


Tia Adélia não gostava de circo com animais.
"Lugar de animal é na natureza, não é totó",
perguntava para o seu cãozinho de pulôver.



Lelê Teles, Brasília

sobre gaiolas


Da gaiola o pássaro gritava por liberdade.
Vovô jurava que o coitado cantava.
Vovô era analfabeto na língua pássara.


Lelê Teles, Brasília

sobre aquários


No aquário o volume de água sempre aumentava.
Foi então que vovó se deu conta que, como nós, os peixes choram lágrimas transparentes.



Lelê Teles, Brasília

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Capítulo 1. Versículo 1

Lili


vem à sombra de minha fronde, amada. deita-te e abriga-te. faz de minhas folhas as vestes de teu corpo, teu lenço e teu lençol. usa minhas raízes como travesseiro. adormece aqui essa noite que o relento é frio, não é como uma brisa suave e morna.



esfrega com sutileza essa semente em teus lábios lânguidos. deixa eu balouçar sobre ti e embalar o teu sono. ao longe vem um vento forte, como se o Ser Supremo tivesse suspirado. ouçamos a voz do vento. encosta-te aqui se te amendrontas.



se tem sede aproxima a tua boca de meu meu caule e sorve, suga a seiva que liquefaz. absorve o meu regalo hídrico. vem abraçar o meu tronco se queres proteção e carinho. acaricia-te em minhas raízes. e se me vens com sede primaveril , se deixar aflorar a tua flâmula, podemos conceber flores e frutos.




Ao amanhecer, põe um balanço aqui, amarra-o neste caule. quero ver o teus cabelos sorrindo ao vento matinal. vem brincar comigo, querida. deixa eu te pegar pelos braços, te fazer sentir os ares. arejemos.


Lelê Teles, Brasília

segunda-feira, 12 de abril de 2010

sialorreia

fonte, deleite

Você sabe o que é sialorreia?

O mascarado ali atrás sabe!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Gorete e o prazer

la novia en raias

Porque tanto amó Dios al mundo, que dio a su Hijo unigénito, para que todo el que cree en él no se pierda, sino que tenga vida eterna.
Juan 3:16

Gorete ofereceu-me uma taça de vinho e fomos à lareira aquecer-nos. Crees que Jesucristo tuvo relación sexual con Madalena?, perguntou-me. Gorete, é para especular? Si, claro. Bom, Gorete, acho que buscam uma resposta tão simplória para isso. Se crêem que o Cristo era o filho de Deus, que era o Deus-Vivo, e essa é a única condição para se crer no Cristo, deve-se acreditar que ele viveu na terra como homem, mas também viveu como um ser divino, indissolúveis. Não era um Deus avant la lettre, o era em inerência.


Gorete gostava quando eu falava de Cristo sem querer negá-lo. Ela sentou-se à minha frente com o sorriso de arrancar pétalas do coração, eu sentindo a sua respiração embaçar os meus olhos. Gorete, quando menino, Jesus não foi um desses muleques de nariz sujo, deveria ter sido um garotinho enigmático, circunspecto e saciado. Quando adolesceu, viveu o que a carne vive, se assim quis.


Acredito, minha querida, que sexamos pela busca de prazer. E por que buscamos prazer? Ora, porque não o temos, só o temos em latência, é preciso estimulá-lo, liberar certas substâncias no corpo que nos prazera.


No entanto, estando o homem em Deus e Deus no homem, como era o caso do Cristo, por que ele haveria de buscar prazer se em pleno prazer e êxtase ele já vivia?


Lelê Teles, Brasília

O Buda e a Bunda

lena

De suplex branca ou amarela,
minha vizinha yogava no jardim,
enquanto eu a mirava da janela.
Ela adorava o Buda.
Eu adorava a bunda dela.


Lelê Teles, Brasília