sexta-feira, 21 de novembro de 2008

mi payasita

minha linda palhacinha


















Jackie

Domingo, dominus dei. Antes de começar a leitura de Padre Antônio Vieira abro o imêio. Há um somente, e é da Jackie. "Para Alfredo, com carinho". Abro, uma foto linda. O ambiente é iluminado por luzes que vêm de velas acesas, aprumadas por belíssimos castiçais. A luz realça e contorna o escuro, magnífico artifício. Seguramente é a mesma luz que utilizava Caravaggio, Rembrandt e Velásquez. 
O cenário é rústico e belo: uma poltrona aveludada e de cor fulva, uma ave empalada e igualmente aterciopelada, uns tecidos finos e translúcidos sobre o resto da mobília que compunha a ampla sala onde a foto fora feita. 
Em destaque: uma mulher, imagem feita por cima dos ombros, ela levemente inclinada para tocar os pés, as costas nuas, as pernas nuas. De frente e agachada, uma outra mulher de feições exóticas. A mulher que está sentada é Jackie, conozco sus espaldas, a mulher que a defronta está com um cântaro na mão, enquanto que a outra mão está delicadamente segurando um dos pés de Jackie. 
Os pés estão besuntados, pela forma com que Jackie se curva para frente parece que ela vai repreender a moça do cântaro. Fico firmemente absorto, a foto me suga, mas não consigo compreender o que quer dizer. Em seguida vem outra foto. 
Agora nota-se uma alcova, um pálio com sedas transparentes, tapetes forrando o chão, dois homens seminus de pé. Sentada, à cabeceira da cama, está Jackie. Veste o que seria uma camisola, mas o ombro que se mostra está desnudo. A tomada é lateral e vemos a moça de frente para o espelho, nota-se a dupla imagem, ela se contempla simplesmente. 
A cena é linda, fico nela por alguns minutos. Os lábios estão entreabertos, os cílios despencam, o seio se mostra meigo. O lugar parece um cenário feito só pra estas fotos, nunca vi nada em nenhum lugar parecido a isso, em nenhures, ou nusquam, como se diz em latim. 
Mas ainda havia uma terceira foto, uma escada enorme e um pouco espiralada. Embaixo da escada, ao pé, estava Jackie, esperando alguém. Acima, ainda com a iluminação das velas que tremiam nos castiçais, apenas um vulto indistinguível; na escada subiam mulheres nuas de um lado e desciam homens nus do outro.
No final de tudo um textinho curto: Adorável Alfredo, feliz por você ter matado a charada do outro imêiu com tamanha argúcia, em anexo tô mandando uma foto exclusiva pelo seu merecimento. Quer mais? Então vamos a isto: Jefferson, o iníquo, nos remonta a Protágoras; Lula, ao chamar pra si o discurso ético compreende Protágoras em Jefferson e se faz medir medindo-se. Jacó. Beijos. Eternamente, Jackie.
 

Que jactância, a foto era muito mais do que o que eu merecia por um simples jogo de charadas. De costas, deitada, nua, com o corpo cheio de óleo aromático (imagino), um pote pequeno com óleo ao lado. Ela sobre a esteira. Entrava uma luz clara e amarelada pela janela, as cortinas adejavam lentas. Ela estava de bruços, com a perna esquerda esticada e a direita levemente curvada, como que fazendo um P com as pernas. No pescoço, ela está de cabelos curtíssimos, há uma tatuagem em hebraico escrito "e o verbo se fez carne". A foto foi feita a partir dos pés, a vista era deslumbrante. 
Fiquei boquiaberto, as mãos pediam cigarro, acendi. Coloquei a foto como protetor de tela e fui digerir o que tudo aquilo queria dizer. Se ficasse olhando a beleza das fotografias iria sempre viajar para os antípodas da mente, como diria Huxley. Peguei um livro de Antônio Vieira e fui pra rede descansar. 
Jefferson, Lula, Protágoras, Jacó. Uma escada, uma moça com um cântaro, velas e castiçais, nada mais. Vou montar, quero mais destas lindas fotografias. Espalhei as palavras do meu puzzle pelo chão imaginário e fui montando com a mente, peça por peça. O que tem Jefferson, Protágoras, Lula e Jacó a ver um com o outro? Encontrei o elo entre Protágoras e as bravatas de Jefferson, uma parte tá pronta. Lula compreende Jefferson, pronta a outra parte. Que diabos Jacó faz aqui? 
As fotos, as imagens devem ter algo a ver com isso. A moça do cântaro nada tem a ver com Jacó, montei todo tipo de combinação e nada. Mesmo porque, assim, sem sobrenome, este Jacó só pode ser o personagem bíblico. Puta madre, claro, o cântaro nos remete a Pedro (Domine, tu mihi lavas pedes). Jesus lavando os pés dos discípulos. Pedro, como sempre, hesitante (tu mihi, vós a mim?). Por isso Jackie parece repreender a moça que lhe vai lavar os pés, era uma dica a que texto consultar. Então, lembrei-me de um Sermão de Padre Antônio Vieira onde ele fala da encarnação de Deus, todo confuso o texto, talvez o mais confuso de Vieira. Mas há ali a imagem da escada, Jacó vê uma escada que vem do céu e anjos subindo e descendo, ele percebe que não pode subir e observa que Deus não desce, então ele se dá conta da tamanha distância entre Deus e o Homem e ratifica a imagem dos anjos como seres intermediários e intermediadores. É disso que se trata, vamos à frente. 
 

Jefferson é um gatuno de primeiro time. Um "sócio" seu foi pego nos Correios com a boca na butija. A casa caiu. Percebendo-se no pior dos mundos, Jefferson lembrou-se da ópera, e percebeu que tudo começa com um crescendo até ter um ápice, as pessoas estão prontas pra essa fórmula, por que não tentar? Então dedurou todo mundo, jogou merda no ventilador e misturou fatos reais com invenções absurdas, como a de duas malas enormes pra levar 4 milhões de reais, esta quantia cabe em duas valises. 
Então montou um esquema, denunciou uma operação de roubo escandalosamente gigante, acusou todo mundo e livrou somente Lula da Silva. O povo, que deveria atirar pedras em Jefferson já o via como um injustiçado querendo fazer justiça, já não saía de casa pra não ter que dar autógrafo; de vilão a mocinho em um ato. O mais absurdo é que no Roda Viva Jefferson se mostra corrupto, mas diz que em seu conceito não o é, disse que não é corrupto mas afirmou que a política corrompe e que ele já está na política há mais de 20 anos, e repete o que todo mundo sabe, Lula é um caro ético e justo, com isso agrega à sua imagem este homem ético e justo, um truque. 
Aí está Protágoras, "o homem é a medida de todas as coisas". No tempo de Protágoras o homem não significava a humanidade, mas sim o indivíduo. Jefferson mede tudo a partir de si mesmo, e a partir dele tudo é mensurável, inclusive a ética, e era disso exatamente que falava Protágoras. No mesmo programa em que Jefferson disse que as pessoas poderiam acreditar nele porque ele falava a verdade, disse que defendeu Collor de 103 acusações e Collor se livrou de todas. Se temos que acreditar em Jefferson então devemos crer que Collor é inocente! 
A outra parte diz "Lula, ao chamar pra si o discurso ético compreende Protágoras em Jefferson e se faz medir medindo-se". Bom, aqui fica claro que Lula compreendeu a aproximação conceitual de Bob Jefferson e saiu-se em defesa de si mesmo.
 

Agora vejo a leitura que Jackie fez do pronunciamento do presidente remontando a uma metáfora bíblica: In principio erat Verbum, Verbum caro factum est e em seguida: Et habitavit in nobis. O verbo se fez carne e habitou em nós, porque não disse habitou entre nós, perguntava Antônio Vieira no Sermão do Mandato. Se a ética era algo que estava entre Lula e os seus, então o presidente teria que ter um partido inteiramente ético e andar com pessoas inteiramente éticas. Se Deus está entre nós ele não pode estar em todo lugar, mas se ele está em nós ele está por toda parte ("Enquanto encarnado, se estava Cristo em uma cidade, não estava noutra: enquanto sacramentado, não só está em todas as cidades, senão em tantas partes da mesma cidade em quantas hoje o temos", Vieira). 
Lula disse que a moral ele aprendeu com os pais e passava para os filhos, não seria um mandato passageiro que determinaria se ele era ou não ético. Assim, Lula trouxe pra si o discurso protagórico e chutou Jefferson, "eu meço a ética e a moral porque ela parte de mim, é um princípio meu. Jefferson é um canalha que se agrega aos outros para agregar valor a si mesmo". No velho testamento diz Davi: Abyssus abyssum invocat, um abismo chama outro abismo. E estão os dois à beira do precipício, Jefferson não tem tanta bala na agulha, os gestos são repetitivos, a oratória é cansativa, a voz não é muito boa, outro dia voltava da dentista e passei debaixo do prédio onde ele mora e ouvi o que chamam de um homem cantando óperas; sinceramente, francamente!
 

Assim, por meio da escada de Jacó vemos que Lula não desce até o patamar de Jefferson, e este não subirá jamais ao trono onde se senta o ex-operário. Os mensaleiros são os querubins e serafins do nosso presidencialismo cínico, dependente de apátridas que sobem e descem a todo instante e servem a dois senhores. Matei mais uma charada. Quando será que Jackie volta ao Brasil?

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