quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

o arrebol dos subúrbios



O sol se escondia por trás da descor de poeira suja que emoldurava o infinito. O gorjear ficava mais calmo nas ermas paragens. As frondes sacolejavam lentas e sonolentas, a abanar insetos, como cavalo crina a cauda. Cachorro - que é bicho preguiçoso -, escorava no umbral de uma árvore e desarvorava a vida alheia de inveja canina e ferina angústia. Se chovesse teria lama, mas é seco e o ar desventa, poeira sobe sob tudo e sobre troncos. Uma estrela pontilha luz no firmamento; afirmam que se chama Dalva, não me meto a nomear estrelas, um astro não se nomeia assim como se desnomeia ministros, o astro é luz e luz em si já é palavra. No fim era o desverbo.



No descampado, mininos seminus desbrincam com bola de meia, noutro canto mininos de grude deslindam bolas de gude. No bar, os cachaceiros cantam goelas quentes e canas frias. Canelas finas desfilam por toda a paisagem. Esquálida gente emagrece o horizonte. As pipas se soltam sozinhas, gritos de gente chamam gente a gritar. Na varanda, um morcego avoa e aranha ri. Papagaio imita gente e pronuncia águas. Cavalos também habitam, ratos são animais domésticos, tem nome e apelido. Muriçoca vira brinco e baratas voam céu adentro. Nas frechas, fendas, frincas e brechas mulher nua se banha de vento e a gente se ventila a curiar. Há desejo em tudo o que tá vivo, vontade só há no que não morreu, esperança é palavra que não se cala; mininas vão sozinhas de mãos dadas.



Na ruazinha, um poste se enche de luz e escurece as sombras. As antenas estão antenadas no mundo lá fora, umas são improviso e escultura, outras são fabricadas e desfeiam tudo. Quem não olha pro chão pisa em bosta. Quem olha de mais vê o que não quer. Besouro tem olho de anu e voa sem que ciência nenhuma o explique. Dizem que a física do besouro é que está errada, como se besouro inventasse física. Besouro nem faz ginástica.



A rã rima com raiva e relva ri-se de rotina réstia. Retinas retêm rotos remoeres. Dizem que em céu cobra não avoa; vovô descorda, vovô foi cobra e hoje é cabra avoador. Quem tem dente que diga, como se faz pra morder o vento quando ele passa assoviando de viés? Diz que flauta, disso não sei. Qualquer paisagem acolhe gente triste, os sorrisos enfeiam a paisagem, paisagens não têm dentes, paisagens se abrem banguelas por mundos inteiros. Queria ter a paciência das lesmas e andar devagar a foder as pedras, como dizia Manoel de Barros. Lânguidas e gosmentas criaturas desfilam nas pedras virgens. Borboleta azul roça asas no aflato da tarde. O arrebol, que posterioriza o lusco-fusco, grada cores e aquarela tudo. É fim de tarde.




Lelê Teles, Brasília


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