a linda Magdalena Smorczewska A gente se conheceu por telefone. Eu esperava uma ligação no orelhão, de repente ela chegou pra ligar. Enquanto procurava o cartão na bolsa eu liguei pro orelhão e ela atendeu. Oi, eu disse. Hola, respondeu ela. Conoces el olor del rocío?, eu perguntei. Si, me queman los ojos escucharlo, ela falou com uma voz que me lembrava uma foto feita pelo Hubble: o nascimento de uma estrela. Escrevi meu nome numa pétala de rosa e dei pra ela. Ela sorriu e me disse que tinha meu nome tatuado no seu coração.
Dali fomos tomar banho de chuva. A nudez mais feliz que já vi banhar. Ela é da Polônia e tem uma singular elegância que não existe na sintaxe do caminhar das eslavas. Eu tive vontade de entrar no vestido dela e despir a sua alma. Tudo o que ela chorava sorria. Ora falávamos em espanhol, ora em francês. E os nossos olhos e olhares falavam numa linguagem que só o vento não conhece, porque o vento só conhece o movimento, e os nossos olhos se imantavam, vidrados.
Teci uma cachoeira com as lágrimas que sorriam em seu rosto e dei a ela de presente, assim como o sol dá luz ao mundo todo. Ela viu quanto interesse havia nesse meu gesto desinteressado. Falamos das florestas que temos dentro de nós, do efeito estufa e do calor que sentíamos subir pela nossa espinha dorsal quando nossas mãos se abraçavam. E também do degelo glacial que nos liquefazia. Falamos das queimadas que nos esfumaçam de paixão. Do tesão que é romper a sua camada de ozônio. Das neuroses de nossos neurônios, das Tsunamis.
Demos um beijinho de borboleta, o rímel dos cílios dela ciciaram nos meus mamilos. Depois um beijinho de esquimó. Eu me acolhi no seu iglu, uma luva de vulva. Depois um beijo de peixinhos. As escamas despidas nas camas... Enquanto eu lhe contava sobre o tantra ela me cantava um mantra, e acordados para o amor a gente dormia.
Ela é uma das criaturas mais lindas que brotaram no meu jardim. Todas as primaveras a gente poliniza. Ela me disse que Copérnico não propôs uma teoria científica, mas apenas compôs um poema, Galileu é que extraiu do poema o cálculo heliocêntrico e justamente por isso o mundo ficou mais bonito. Disse que Newton, ao descrever a gravidade, também propunha poesia. Até hoje não apareceu um cientista pra tornar científico o poema que ele fez. Explicar, por exemplo, o que é a gravidade. Isso ninguém explicou e isso seria ciência. A descrição de Newton é apenas um lindo poema, como o lusco-fusco, o crepúsculo, os arrebóis, o céu de Brasília ao entardecer quando o clima tá seco...
Achei tão lindo ouvir isso de uma flor cheia de pétalas. Toda vez que tento colhê-la ela se encolhe e me acolhe, toda vez que tento comê-la ela me escolhe. Eu adoro salada de flores, ela gosta de fotografias. Eu disse a ela que Os Dez Mandamentos foram a primeira fotografia (foton + grafia, a escrita com luz). A segunda foi o falso Santo Sudário, que é também uma foton-grafia. Ela se despetalou e, nua, pediu que eu a fotografasse. Eu a beijei com tanta ternura que até hoje ela tem gravado nos lábios o meu sorriso.
Agora, sempre que tá frio eu visto a minha musa e saio pra tomar banho de lua. Ela mora numa gruta que tenho no coração, todas as noites ela sai pra se banhar na cachoeira do meu pranto. Eu vivo de amor por ela.
Lelê Teles, Brasília.